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quinta-feira, 24 de julho de 2008

LIVROS - FAMÍLIA: MODOS DE USAR

Família: Modos de Usar

Família. Um assunto sempre em voga, especialmente na sociedade atual, em que quase todos os temas são explorados, seja comercialmente ou não. Um assunto que já foi visto por vários ângulos diferentes, muitas conflituosas, muitas contra conceitos pré-estabelecidos, muitas a favor de novos métodos de entendimento. E, no livro de Rosely Sayão e Julio Groppa Aquino, é adotado uma visão psicológica, num debate para promover o pensar a respeito da família.

Sendo apenas um debate, sem a profundidade de um estudo mais elaborado, os autores limitam-se em analisar a situação da “família” brasileira, de forma generalizada, sem considerar as diversas culturas que compõe o país, entretanto, dá vazão à reflexão a respeito dos valores da família na sociedade atual.

Se voltarmos no tempo e analisarmos a formação da sociedade brasileira, encontramos uma sociedade patriarcal, fato considerado até os dias atuais, mesmo com maior influência feminina nas decisões, seja dento da família quanto na sociedade. Na política, em que os eleitores estão sempre em busca de um “pai” para resolver todos os problemas, releva a falta de um “algo mais” libertador das pessoas da figura dos progenitores. Mas tudo isso decorre de toda uma história mundial, em que a figura central da “família” era o macho, aquele que caçava, aquele que lutava (outros dizem que a fêmea é que tinha o papel principal na “família”, que tudo girava em torno da sobrevivência dela e de sua prole, mas isso é um assunto de debate para aqueles que escreveram a história “oficial”). Retorna à história brasileira, temos os senhores de engenho, os bandeirantes, os fazendeiros de café. Havia um centro forte e claro na “família”, com valores definidos, que não tinha dúvida quanto à forma de educar os filhos.

Isso durou até o século XX, um século de transformações sociais. Sem estabelecer datas, podemos citar o aumento da importância das mulheres na sociedade, a mudança de uma população rural para urbana, as alterações econômicas e, especialmente, o surgimento da classe média. Como o surgimento da classe média favoreceu a crise da família? Voltemos à linha de tempo.

No passado, com a agricultura, um grande número de filhos significava maior número de trabalhadores, aumentando as possibilidades de crescimento econômico. E este grande número de filhos eram ligados aos pais, aos avós paternos e maternos. Casados, os filhos dos filhos (os netos) terão vários tios e tias e, especialmente, diversos primos, de diferentes idades, e esta diferença oferecia uma rica convivência às crianças.

Na mudança do campo para a cidade o número de filhos passou a ser maior custo para sobrevivência, e a tendência passou a ser a política de poucos filhos que, hoje, pode ser exemplificado nos casais com filhos únicos da classe média. Seguindo esta tendência, teremos gerações que não possuem tios, tias, primos, primas, etc. A convivência dos filhos será restrita a grupos de mesma idade, retirando a rica convivência com outras de diferentes idades. Além disso, a união de um casal que não possui um modelo de família permanece especialmente devido ao filho gerado, e as gerações seguintes transformaram esta situação no que encontramos atualmente: o centro da família passou a ser os filhos.

Mas não foi apenas a mudança da atividade econômica que contribui para essa mudança de rumo. Desde as grandes guerras o papel da mulher tomou um rumo mais ativo nas atividades econômicas, e a imagem da dona de casa, limitada às tarefas rotineiras do lar, foi deixada no passado: a mulher passa praticamente o mesmo tempo dentro de casa quanto o homem, de forma que isso influiu na formação das novas “famílias”.
Então, o que temos? Pais que já trazem uma unidade familiar reduzida, fechando-se em si própria (sobrando os “agregados” e “parentes”). A seguir, uma centralização da atenção no filho único de quem, seja por pressão da sociedade, seja pela unicidade da cria, seja pela substituição dos valores familiares pelos valores do “politicamente correto”, os pais tentam ser os “grandes amigos”, numa propagação inconsciente de manterem-se jovens. Entretanto, ser amigo e ser pais são posições completamente diferentes. E neste ponto surgem os conflitos na cabeça dos pais. Dar palmada ou aplicar outra forma de psicologia? Gritar ou conversar? Impor limites ou deixar o filhote quebrar a cara? São dúvidas que deveriam existir na cabeça dos adultos?

Na verdade, são dúvidas que sempre surgem, mas não deveriam barrar o avanço do desenvolvimento familiar, como anda acontecendo: os pais simplesmente têm medo de darem algum passo, medo de estarem fazendo algo errado, medo de estarem indo contra o que a sociedade diz ser correto. E neste mergulho lá vão pais (sempre eles) e filhos para os consultórios, gastam dinheiro para tentar entender o que há de errado quando deveriam procurar as respostas na família, se é que possuem uma ou um lugar a que chamam de lar.

Aliás, onde estão os lares? Desde cedo, neste tão conturbado mundo, as crianças são deixadas desde cedo em creches, geralmente em “salas” com outras crianças da mesma idade (e lá se vai outra chance de aprendizagem com as diferenças etárias!), com técnicas de desenvolvimento intelectual e motora. Claro, não que isso tudo seja de todo ruim, mas qual será a definição de lar para estes jovens indivíduos? Somente a casa onde passa o tempo com os pais ou será qualquer local em que esteja com os pais, ou mesmo apenas aquele local em que passa com tantas outras crianças? Haverá uma definição para a expressão “lar, doce lar”? Difícil dizer. Casais formam-se e separam-se com uma tremenda facilidade, e os filhos, a que lares pertencem? À do pai com sua nova esposa ou à da mãe com seu novo marido? Ou a ambos, ou a nenhum? Então, surge um outro ponto à mais nessa confusão de casas: a da própria identidade. Como saber em que família ficar suas bases se a família não tem base alguma ou se as bases que oferecem são divergentes entre si?

O livro leva-nos a uma reflexão a respeito disso e de muitos outros pontos relacionados a pais e filhos (e os outros “parentes” e “agregados”). Reflexões que encontram facilmente leitores, tendo em vista a quantidade de cartas recebidas por Sayão em sua coluna na Folha de São Paulo. Reflexões que fazem as pessoas pararem para entender o que se passa com a família, mas que dificilmente altera muitos pontos. Enfim, há muita diferença entre o saber o que fazer e o fazer. E cada um deve encontrar a diferença através de seus próprios passos.

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