Entre Páginas

quinta-feira, 17 de julho de 2008

LIVROS - CHINA, O RENASCIMENTO DO IMPÉRIO

Cláudia Trevisan foi correspondete da Folha de São Paulo durante um ano na China (2004-2005), encontrando um país totalmente diferente do que imaginava, apesar de ter analisado seus aspectos econômicos e sociais anteriormente à viagem.

Já nas primeiras páginas, ao estilo de O Mundo é Plano, de Thomas Friedman, Trevisan relata sua experiência, quase que num tom confessional, sobre tudo o que sentiu desde o dia que chegou em Pequim e os demais dias de seu trabalho e lazer, misturando textos com seu ponto de vista com textos jornalísticos, comparando muitas vezes as culturas chinesa e brasileira para que o leitor tenha uma base de como foi o choque cultural. Este choque, aliás, inevitável, ainda mais em se tratando de ocidente e oriente.

Exemplo claro deste choque cultural enxerga-se na surpresa da autora ao se deparar com os hutongs, espécie de cortiço familiar (impressão pessoal) onde privacidade é uma palavra quase que desconhecida aos olhos ocidentais. Além disso, realiza um vôo rápido a respeito de diversos pontos, como o tipo de banheiro público, a ocidentalização, o sucesso latino, os grilos como mascotes preferidos, as olimpíadas de 2008, a superstição, o guanxi, que é uma espécie de rede de relacionamentos criado exclusivamente com o intuito de interesses, etc.

Entretanto, nesse sobrevôo, o que é passado de mais interessante, pelo menos em termos empresariais, é observar o boom da construção: a China está crescendo, transformando outroras vilarejos em modernos centros, numa fome de lucratividade e numa corrida para serem os primeiros, senão o primeiro, do mundo, em termos econômicos e industriais, numa bolha que especialistas dizem estar longe do fim. Mas esse crescimento gera outros problemas, como conflitos com moradores dos hutongs, que estão sendo desapropriados para que novos prédios sejam construídos; aumento da poluição com o aumento do número de carros e incremento no número de portadores do vírus HIV devido à falta de informação sobre prevenção.

Xangai é a melhor cidade para representar o crescimento chinês, de acordo com a autora. Em muito o Partido Comunista auxiliou na transformação da cidade, com sedes de importantes empresas transnacionais, especialmente automobilística, tornando-se a Detroit da China. Outro destaque da China é sua necessidade de ostentação, talvez devido o PCC ter que entregar o poder em alguns anos e querer oferecer uma boa estrutura para não perder o posto, talvez pela própria necessidade de aparecer ao mundo.

Porém, o Partido Comunista permance com alguns vícios, como a prisão de ´dissidentes´ que ameacem o sistema, sob desculpa de insanidade, e censura dos meios de comunicação. Fora isso, o apoio a países com regimes democráticos duvidosos ou envolvidos em conflitos, somente devido à necessidade da matéria prima que esses países fornecem, causam certo desconforto por parte dos países ´democráticos´ poderosos. Somado tudo isso ao seu fortalecimento militar, especialmente devido ao caso Taiwan, há um certo temor velado de que a China possa tornar-se uma nação que influencie diretamente todas as decisões mundiais, seja pela forma econômica como anda sendo, seja pela força, como pode ser, como foi e é o caso dos EUA, pricipalmente na segunda metade do século XX.

A China renasceu, depois de um soluço entre o começo do século XIX e metade do século XX. Renasceu controlando uma nação diversa, com uma enorme rixa contra o Japão devido à Segunda Guerra Mundial, com um governo não democrático que distribuiu o desenvolvimento e parte da riqueza, que deu as cartas no jogo para atingir seus objetivos. As empresas estrangeiras que se instalaram no país precisavam se associar com alguma empresa local ou oferecer transferência de tecnologia o que, num momento, torna-se prejudicial à própria empresa, que verá o surgimento de um concorrênte em potencial, mas isso é a única forma de entrar no grande mercado chinês.

Friedman ofereceu uma visão da China para os leitores americanos, deixando passar um fator importante em se tratando de negócios com outros países: a cultura. Ao mostrar desde a habilidade de dirigir até o jeito dos banheiros, Trevisan não ofereceu apenas um lado curioso da China como também tentou explicar que tudo aquilo faz parte da história de um povo, ou de vários povos, que resultou naquela nação. Trata-se da adaptação de novas habilidades convivendo com antigos costumes. E nisso o autor americano deixa transparecer sua própria cultura, a de focar-se sempre no seu próprio umbigo, ao contrário da brasileira, que, além de focar o lado de fora, buscou comparar com o lado de dentro. Mesmo inserindo fatos que fugia do escopo do livro, a obra em si retrada o essencial da China para o Brasil e também de como as políticas nacionais vêm pecando não de hoje, mas há muito mais tempo, e que de nada adianta surgir um governo hoje que prometa a metade do crescimento chinês em quatro anos se isso a China o fez em mais de duas décadas de planejamento e organização.

Nenhum comentário: