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domingo, 27 de julho de 2008

LIVRO - ZUMBI

Zumbi
Joel Rufino dos Santos
Editora Moderna 1985 Coleção Biografias

Em 1597, quarenta escravos fugiram de um engenho no sul de Pernambuco, fato que chamou atenção pelo número de fugitivos e pela decisão que tomaram antes da fuga: matar toda população livre da fazenda.

Eles andaram sem se importarem com o território desconhecido, até chegarem a um morro de onde podiam enxergar o mar e qualquer um que chegasse pelos quatro cantos. O solo era fecundo, o clima era agradável e boas eram as águas, mas haveria sempre o medo da invasão por parte do homem branco. Medo de voltar a serem escravos.

Esse medo explica-se pelo fato de que, livres do jeito que estavam, eles recuperavam parte de sua humanidade perdida. Humanidade perdida num processo do porrete constante, dos castigos permanentes, da alteração de seu nome tribal pelo nome português, da substituição de sua religião ancestral pela cristã. Todo um processo que coisificava-o.

Em 1602 Bartolomeu Bezerra marchou pela primeira vez contra Palmares, resultando num fracasso, e mais de 40 tentativas de invasão seguiram-se em cem anos de luta. Momentos como as invasões holandeses permitiram o crescimento de Palmares, pois tirou a atenção dos portugueses desses negros fugidos.

Os holandeses também tentaram derrubar Palmares, infiltrando espiões e mandando o capitão Rodolfo Baro, que não encontrou nada além de um local abandonado. João Blaer foi outro que tentou derrotar Palmares, mas nada encontrou pois os quilombos foram avisados pelos seus espiões: eles também tinham os seus. Os quilombolas eram guerrilheiros, negando ao inimigo o combate frontal e Palmares desapareceu no mato para derrotar o melhor exército do mundo.

Em 1655, a expedição de Brás da Rocha só trouxe alguns escravos fugidos, entre eles um recém nascido, que foi entregue ao padre Melo, que o chamou de Francisco. Ao contrário de outros escravos, ele aprendeu português, latim e religião, mas de vez em quando apanhava, muito provavelmente. Até que, aos quinze anos, fugiu, reaparecendo em Palmares.

Impressionado com as qualidades de Francisco, agora Zumbi, tornou-se sobrinho adotivo de Ganzá Zumba, rei do quilombo, cuja moral começou a decair com algumas derrotas que sofrera. E o ponto máximo ocorreu quando Ganzá aceitou negociar a paz com os brancos, o que elevou Zumbi, que era contra, a líder do quilombo.

Zumbi transformou Palmares num estado militar, numa ditadura sempre pronta para lutar contra aqueles que queriam destruí-la. Quando um atacava, o outro respondia. Quando um contra atacava, o outro fazia o mesmo.

Domingos Jorge Velho, um ex caçador de índios, fora chamado e organizou seu exército contra Palmares, e, como desta vez Zumbi fez com que seus inimigos viessem até ele, a tática mostrou-se mortal e Palmares, na serra da Barriga, foi tomada pelos portugueses. Mas Zumbi não morreu neste episódio. Isso se daria numa traição de Antônio Soares, que teve a vida garantida caso entregasse Zumbi.

Zumbi morreu, não sem luta e ter seu corpo cortado e sua cabeça levada para Recife, onde ficou exposta na praça, durante muitos anos.

Hoje é impossível dizer se há algum descendente de Palmares na região, já que muitos deles foram mortos na época ou levados para longe, por decisão do governo. Além disso, muitos eram os escravos que chegavam na região, de modo é impossível tentar fazer uma busca por nomes de família três ou quatro gerações anteriores.

Mas o quilombo buscou, talvez mesmo sem querer, a utopia, ou isso é o que enxergam as pessoas de hoje em dia.

Se Palmares não foi criada por Zumbi, foi Zumbi que transformou Palmares. Pois o quilombo já tinha sua representatividade pelas suas particularidades, desde o modo como os escravos que fugiram para formá-lo quanto o modo como se organizaram na serra da Barriga.

Sua sociedade praticamente sem classes sociais, em que um rei e familiares com privilégios do cargo podia ser deposto, em que o excesso de produção agrícola era repartido entre os outros moradores, leva a crer que aquela sociedade possuía um certo grau de utopia, da mesma forma que a sociedade imaginada por Antônio Conselheiro anos depois. Mas se isso nasceu da cultura outrora esquecida do negro ou se surgiu da necessidade ante a nova realidade, somente mais estudos podem confirmar.

O escravo perdera sua humanidade quando capturada, recuperara novamente na fuga e no alojamento em Palmares ou outra cidadela do quilombo, e não iria entregá-la de bom grato aos brancos novamente. Alguns negros livres podiam até prestar favores aos senhores, como forma de sobreviverem na sociedade em que se encontravam, mas aqueles que não eram favorecidos (?) pela liberdade não tinham outra opção.

Zumbi transformou Palmares, fez o quilombo um estado militar. Ele era um general conhecedor de táticas. Ele tinha instrução, inteligência rápida e abrangente, um corpo vigoroso e vontade de ferro. Podia ser um empresário, um atleta, assumir qualquer papel em qualquer profissão que gostasse e tivesse aptidão que sairia vitorioso dela, independente da época. Mas o fato de ser um negro, filho de escravos, e a sociedade atual continuar preconceituosa e racista, sua história continua sem grandes atenções.

Podemos ir contra os grandes chefes se percebemos que os valores primordiais estão ou foram esquecidos, e busca destes valores é que motivou Zumbi a lutar por Palmares. Aqueles que com ele ficaram eram porque acreditavam nisso e aceitaram a política adotada, não por ser a única saída (eles podiam seguir com o antigo líder para uma vida de “paz” em terras distantes, voltar à escravidão ou suicidar-se), mas porque enxergavam que era possível criar um estado negro independente.

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