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sábado, 8 de março de 2008

Contos - O Último Relatório

Eduardo digitou as últimas palavras de conclusão do seu relatório de programação e clicou no botão para saltar o arquivo em seu disquete. Finalmente havia terminado aquele relatório, finalmente estaria livre daquela disciplina de programação que tanto odiava. Não era nem tanto pelo professor, nem tanto pelo tipo de linguagem utilizada, mas simplesmente porque odiava programar. E não adiantava alguém tentar mostrar-lhe como tudo era fácil e como tudo era simples, ele simplesmente era um bruto para aquilo.

Perguntava-se porque a engenharia elétrica tinha uma árvore de computação. Será que era mesmo preciso? É claro que ele sabia que era. Também sabia que alguns alunos da engenharia de computação faziam algumas disciplinas da área da engenharia elétrica. Bolas, todos os outros cursos de engenharia faziam alguma disciplina na engenharia elétrica, bem como os alunos de engenharia elétrica tinham que fazer disciplinas de outros cursos. Ele sabia que isso era necessário para uma boa formação do aluno. Sabia que o sistema era assim, que o mercado exigia profissionais mais preparados e com conhecimentos além de sua área. Sabia disso. Mas ele não gostava de programar, e ponto.

A pequena janela no monitor do computador negro fechou-se, indicando que o arquivo finalmente estava salvo em seu disquete. Eduardo abriu o seu e-mail, em seguida em escrever e digitou o e-mail do seu colega, que iria fazer o fluxograma do programa e entregaria ao professor. Anexou o arquivo com o relatório e clicou em enviar. Levou alguns segundos até que o aviso de mensagem enviada aparecesse na tela e fez o rapaz relaxar em parte.

Colou as costas no encosto da cadeira preta forrada e pegou seu celular, que estava ao lado do monitor. Procurou o nome do seu colega e em seguida apertou em talk, esperando o outro lado da linha atender.

—Aí, acabei de mandar!

—Dá um tempo! –alguns barulhos do outro lado da linha e então um silêncio, como se seu colega tivesse desligado. —Chegou!

—Então você faz o fluxograma, imprime e entrega pro professor?

—Pode deixar! Falou!

—Falou!

Desligou o aparelho e resolveu conferir suas mensagens. Mas antes que pudesse faze-lo seu celular tocou. Começou a xingar seu colega por aquilo, mas, como possuía identificador de chamadas percebeu que não se tratava dele. Aliás, era um número estranho, que nunca havia visto antes. Melhor, ou pior, nunca vira um número de telefone com cinco dígitos. Sabia que, antigamente, eles usavam cinco dígitos, depois aumentaram para seis, depois sete e então oito. Ali mesmo, em Barão Geraldo, onde ficava a Unicamp, eles haviam colocado um três na frente de todos os números. Não tinha idéia se o fato era o mesmo para toda região de Campinas, mas isso pouco importava naquele momento. Quem ainda tinha um telefone com número de cinco dígitos? Clicou numa tecla qualquer do teclado.

—Alô?

—Preparado para morrer?

—Quem está falando?

O aparelho ficou mudo. Eduardo apertou rapidamente os botões e agora discava para o número, o estranho número de cinco dígitos. Uma voz feminina do outro lado atendeu e, pausadamente, avisou que aquele número de telefone não existia. Como podia? O rapaz verificou novamente o número gravado pelo identificador de chamadas e fez a chamada, mas obteve a mesma resposta. O que significava aquilo? Levantou-se da cadeira e olhou para o laboratório em que estava. Havia cerca de vinte e quatro computadores naquela sala, em três corredores paralelos, ortogonais à janela. Eduardo estava no último corredor, virado contra a parede. Não pôde ver ninguém naquele lugar. Caminhou até o corredor de ligação dos três corredores, buscando alguma vida ali dentro, mas ele estava só. Passou pelo primeiro corredor e entrou em uma pequena passagem escura, que levava à porta de saída.

O prédio em que se encontrava aquele laboratório, bem como muitos outros da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, FEEC, possuía dois pisos, como mezaninos, além do térreo. Os dois pisos tenham o formato de um oito, onde uma escada fazia a ligação dos níveis, primeiro pela parte central, para o primeiro piso, e depois pela parte inferior, do segundo.

Era no primeiro piso em que estava o laboratório de número 20, LE20, por onde Eduardo saiu, com celular em mãos, em busca do engraçadinho que tentava assusta-lo. Olhou para entrada, mas não viu ninguém, e depois bisbilhotou as escadas, também sem nada encontrar.

Tentou entrar nos outros laboratórios daquele andar, mas não conseguiu. Digitou sua senha num teclado presente na porta, porém esta, que emitiu o ruído de destravamento, não abriu. Estavam trancadas, e era-se de esperar.

Era madrugada de sábado, nem todos os laboratórios permaneciam abertos durante os finais de semana. Eduardo caminhou até a grade amarela que servia de segurança no fim do piso e olhou para o relógio da entrada. Três da manhã. Isso o levou a perguntar o que seu colega fazia acordado tão tarde, ou tão cedo. Olhou com mais atenção a guarida, além das portas de vidro e de metal amarelo. O guarda não estava ali. Sentiu, então, um subido gelar pelo corpo. Nunca aquele prédio havia dado-lhe tanto arrepio. As luzes principais apagadas, o som do ar condicionado do LE20, o som dos computadores. Mas não era isso que o assustava. Não. Era aquele telefonema estranho. Teria sido algum erro de programação do aparelho? Mais essa agora, programação do aparelho!

Eduardo voltou até o computador em que estava logado, já pensando em desligar e voltar para casa. Aquilo já era emoção o suficiente por uma noite. Antes de fechar a tela notou que havia uma mensagem nova. Abriu-a, tentando esquecer o incidente. Será que seu colega teve problemas para fazer o fluxograma do programa e agora mandava uma mensagem de urgência?

No início nada aparecia na tela. De repente, em letras grandes e vermelhas, começou a piscar na tela: “PREPARADO PARA MORRER?”.

Tinha que ser uma brincadeira! Clicou em responder, mas o endereço de quem enviara não aparecia na caixa de destinatário. Voltou para a mensagem, procurando o endereço eletrônico do desgraçado, mas não encontrava nada. Bastava daquilo! Iria embora e esganaria o pentelho que estivesse fazendo aquilo, se um dia o descobrisse.

Não desligou o computador da forma convencional, deu um reiniciar mesmo. Pegou suas coisas e jogou tudo na mochila vermelha, saindo do laboratório. Estava preste a descer as escadas quando escutou um barulho vindo do segundo piso. Eduardo tentou ver, daquela posição mesmo, no meio do oito, o que fizera aquele barulho, mas não conseguia distinguir nada naquela escuridão. Se fosse o engraçadinho do celular e do e-mail ele iria dar-lhe uma surra da qual jamais se esqueceria. E foi essa raiva que o fez subir aquela outra escada.

Dizem que ninguém nunca vira uma coisa dessas acontecer antes ali. Dizem que muitas coisas mudaram depois daquilo. Outros dizem que tudo continua igual ao que era antes. Acusaram o guarda terceirizado de ser o culpado, mas ele tinha provas que nada cometera: uma fita de vídeo com o filme da entrada do prédio. Apenas em um momento o guarda ficou fora do alcance da câmera, mas foi quando ele havia entrada no pequeno cubículo para preparar um café. O certo é que vasculharam o prédio e não encontraram ninguém, nem arrombamento, nem portas ou janelas destrancadas, forçadas ou arrebentadas. É um mistério que ninguém comenta, acreditando ser uma história falsa, pois ninguém viu o corpo ou a notícia a respeito daquele fato. Colegas da faculdade e da república dizem apenas o que ouviram dos familiares: Eduardo morreu num acidente de ônibus. A família diz que essa foi a versão da polícia. A polícia não diz nada. Apenas o guarda contava que o que viu não pode ser explicado nem descrito. Não o responsável, mas o resultado do ato. Era como se o corpo não tivesse mais ossos, como se fosse uma água viva totalmente escura.

E aos pedaços e remendado.

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